Em troca de folhas velhas
A terra dá flores e pão
Dá tu em troca de ofensas
Bondade, amor e perdão
Semeia o amor sem veres
O terreno onde cair
Onde menos o esperes
Talvez o vejas florir
Quem sabe não há um tesouro
Sob a terra que pisamos?
Podem valer mais que nós
Aqueles que desprezamos
Importa saber falar
Mas também saber ouvir
Nada pode aproveitar
Quem não sabe discernir
Ouve bem o que te digo
Se não queres aborrecer:
Na vida do teu amigo
Não te vás intrometer
Quem aconselha aborrece,
Sempre no mundo se ouviu
Ninguém quer ou agradece
Conselho que não pediu
Dignidade não é ouro,
Nem é tampouco poder
Dignidade é um tesouro
Que o mais pobre pode ter
Não digas mal de ninguém
Ainda que tenhas razão:
Pois quem te ouvir logo tem
De ti má opinião
Mal por mal, antes ser escravo
Do coração e errar,
Que ser escravo da razão
E sem amor acertar
Ter saudade é ter presente
Um bem que nos pertenceu
E, embora de nós ausente,
De todo não se perdeu
Julgo que a alma será
Esta chama fugidia
Que, ao fitar outros olhos,
O nosso olhar irradia
O amor é como o sol,
Mesmo encoberto alumia
Nunca disse que te amava
E toda gente o sabia…
Traz a vida separados
Dois corações bem unidos,
E outros aborrecidos
De má vontade abraçados
Ninguém pode ser juiz
Nas contendas do amor:
O coração nunca diz
O que tem no interior
O amor e a doença
São conforme o temperamento:
No nome não há diferença,
É diferente o sofrimento
E hoje em trovas singelas
Minhas mágoas vou dizendo;
Menos sofrendo em dizê-las
Do que em silêncio ir sofrendo
Só o amor tem poder
De dois corações juntar
Contudo, sempre hão de ter
De um ao outro perdoar
Toda casa deve ser
Um santuário de amor:
Sagrada para quem lá vive,
Exemplo de quem lá for
Na escala dos amores,
Ao alto o amor de mãe
Se todos têm valor,
Valor como ele não tem
Faltava a Deus lá no céu
O doce nome de mãe
Para o ter, Jesus nasceu
Da Virgem pura em Belém
Se hoje tiveres motivo
Para rir e estar contente
Deixa passado e futuro,
Goza apenas o presente
Uma trova é pequenina
E encerra, quando sentida,
O pulsar do coração,
Toda a beleza da vida
Em quatro versos somente
Canta a alegria e a dor
Cantando sentidamente
A saudade e o amor
Sei que os meus versos são velhos
De séculos – deixai-os ser
O sol é bem mais antigo
E não deixa de nascer…
Ana Rolão Preto M. Abano – Caruma – Lisboa, 1958
(Foto: Serra da Gardunha, Portugal – terra natal da autora)
Uma poesia de grande sensibilidade e sabedoria… Aprecio a seleção feita, ao colocar esta poesia e os outros assuntos trazidos pelo autor deste blog.